18 de jun. de 2010

Adeus ao Comunista Saramago

"Nossa única defesa contra a morte é o amor", disse certa vez o escritor português José Saramago. Deixando um vazio na literatura, ele morreu nesta sexta-feira (18) em Lanzarote (Ilhas Canárias, na Espanha), aos 87 anos. Em 1998, Saramago - que era filiado ao Partido Comunista Português - ganhou o único Prêmio Nobel da Literatura em língua portuguesa.

 

 

A Fundação José Saramago confirmou em comunicado que o escritor morreu às 12h30 (horário local, 7h30 em Brasília) na sua residência em Lanzarote "em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila".

 O escritor nasceu em 1922, em Azinhaga, aldeia ao sul de Portugal, numa família de camponeses, e, apesar da mudança com a família para Lisboa, com apenas dois anos, o local de nascimento seria uma marca constante ao longo da sua vida, como anunciaria em 1998, aos 76 anos, no discurso perante a Academia Sueca pela atribuição do Nobel da Literatura.
Autodidata, antes de se dedicar exclusivamente à literatura trabalhou como serralheiro, mecânico, desenhista industrial e gerente de produção numa editora. Começou a atividade literária em 1947, com o romance Terra do Pecado. Voltou a publicar livro de poemas em 1966. Atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Acuado pela ditadura de Salazar, a partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor, depois como autor.

Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão, visto hoje como seu primeiro grande romance. Memorial do Convento confirmaria esse sucesso dois anos depois. Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo governo português - o que leva Saramago a exilar-se em Lanzarote, onde viveu até hoje.

Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Todos os Nomes (1997), e O Homem Duplicado (2002); a peça teatral In Nomine Dei (1993) e os dois volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (1994-7). O livro Ensaio sobre a Cegueira (1995) foi transformado em filme pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles em 2008.

Seus inegáveis méritos como romancista foram finalmente reconhecidos em 1998 com o Prêmio Nobel de Literatura, concedido por ter criado uma obra na qual "mediante parábolas sustentadas com imaginação, compaixão e ironia, nos permite continuamente captar uma realidade fugitiva".

Nos últimos anos, Saramago não deixou passar muito tempo entre um romance e outro. Era consciente de sua idade e, como disse à agência Efe em entrevista, tinha "ainda algo para dizer", e o melhor é que o dissesse "o mais rápido possível". Embora também dizia que "chegará o dia em que se acabarão as ideias, e nada iria ocorrer".

Seus romances abordam reflexões sobre alguns dos principais problemas do ser humano, fazem o leitor pensar, o estremecem e comovem. Seus personagens estão cheios de dignidade.

Saramago era filiado ao Partido Comunista Português, tornando-se um dos mais distintos militantes até à sua morte.  A sua primeira biografia, do escritor também português João Marques Lopes, foi lançada neste ano. A edição brasileira de "Saramago: uma Biografia" chegou às livrarias no mês passado, com uma tiragem de 20 mil exemplares pela editora LeYa.

Segundo o autor, Saramagou chegou a pensar na hipótese de migrar para o Brasil na década de 1960. "Em cartas a Jorge de Sena e a Nathaniel da Costa datadas de 1963, Saramago considera estes tempos em que escreveu e reuniu as poesias que fariam parte de 'Os Poemas Possíveis' como desgastantes em termos emocionais e chega mesmo a ponderar a hipótese de migrar para o Brasil. Esta informação surpreendeu-me bastante, pois não fazia a mínima ideia de que o escritor chegara a ponderar a hipótese de emigrar para o Brasil e por a mesma coincidir com o período da história brasileira em que esteve mais iminente uma transformação socialista do país", disse Lopes em entrevista à Folha.com.

Após lançamento da biografia, Saramago classificou a obra como "um trabalho honesto, sério, sem especulações gratuitas". O escritor era consciente do poder que tinha a internet para divulgar qualquer ideia, e em setembro de 2008 criou um blog, intitulado "O caderno". Foi "um espaço pessoal na página infinita de internet", segundo suas palavras.

A morte o surpreendeu quando preparava um romance sobre a indústria do armamento e a ausência de greves neste setor, ou pelo menos essa era a ideia que queria desenvolver, como disse quando apresentou "Caim" em novembro de 2009.
Ajuda ao Haiti

Saramago relançou em janeiro deste ano nova edição do livro A Jangada de Pedra, que tem toda a sua renda revertida para as vítimas do terremoto no Haiti. O relançamento da obra foi resultado da campanha "Uma balsa de pedra a caminho do Haiti", que doa integralmente os 15 euros que custará o livro (na União Europeia) ao fundo de emergência da Cruz Vermelha para ajudar o Haiti.

Em nota, Saramago havia explicado que a iniciativa é da sua fundação e só foi possível graças à "pronta generosidade das entidades envolvidas na edição do livro".

  
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