5 de ago. de 2010

O jornalismo está doente



Publico aqui uma reflexão que achei bem interessante,sobre a cobertura jornalística da copa do mundo e também sobre os profissionais de jornalismo que tem sido preparados pura e simplesmente para responder as necessidade de mercado. Não desvalorizo a questão ede mercado, afinal ela é necessária porém apenas o mercado também é problemático. Vale a pena ler.
 
O jornalismo está doente  por José Coelho Sobrinho 

Há um texto que trata de relatos jornalísticos – cuja leitura deveria ser mais difundida entre os profissionais e estudantes da área – que, ao referir-se à narrativa jornalística, afirma que a ela "faz falta o juízo, a mais exímia qualidade do intelecto, para que, por meio dele, as coisas dignas de crédito sejam separadas dos rumores infundados que se fazem correr: as leves suspeitas e as coisas e ações diárias sejam separadas das coisas públicas e daquelas que merecem ser contadas. Este juízo faltou em outros".

Os equívocos desse "jornalismo esportivo" não ficaram somente na falta de conhecimento e de sensibilidade dos profissionais. Ele se agravou com a substituição de jornalistas por jogadores e ex-jogadores que foram elevados (ou rebaixados) à categoria de "comentaristas esportivos". Alguns desses novos cronistas, efetivados na função, tentam criar jargões e os repetem à exaustão: "É brincadeira"; "É um cracaço"; "Está na minha seleção"; "Deu de três dedos". A inclusão de um ou mais desses jargões nas falas ocorre, em boa parte das vezes, sem o menor nexo com o tema. Encobre a falta de repertório linguístico e raciocínio lógico.

Para valorizar a presença do ex-atleta como comentarista ou repórter foram criados codinomes que lembram a sua passagem pelos campos ou qualificam a sua atuação nessa nova função: "o craque Fulano"; "Sicrano show", "Beltrano, o completo" e outras individualizações desnecessárias à profissão. Ao contrário do que se justifica, a presença dessa nova geração em nada contribui para a cobertura jornalística do fato porque os seus comentários são redundantes à narração e à imagem, pois não extrapolam a jogada. Na falta de lances dúbios, que são os verdadeiros motivos da existência desses comentaristas durante as transmissões dos jogos, são forçadas situações para levantar hipóteses e gerar polêmicas. Essas situações tipificam as banalidades e minúcias de que falava Peucer. Em outras palavras, esse tipo de cobertura não é considerado jornalismo desde o final do século 17.

E o jornalismo, depois da Copa, não ficou impune. Alguns desses olimpianos do esporte promovidos a jornalista permanecerão na tela. Na avaliação das emissoras, eles conseguiram cooptar o público, mesmo construindo frases como: "Quando eu era jogador eu se esforçava...."; "A gente fizemos muitos treinos..." e outras construções linguísticas semelhantes.Mas a cobertura da Copa não ficou, felizmente, restrita a essas barbáries. Em meio a toda banalização do jornalismo, surgiram algumas boas matérias. Uma entrevista feita em Orânia – uma pequena cidade habitada somente por brancos – foi emblemática como referência ao preconceito racial que ainda existe na África do Sul. 

O bom jornalismo também foi marcado por entrevistas com um guia do Museu do Apartheid e um membro da Igreja Reformada Holandesa, que apoiou a segregação e hoje é um dos baluartes em favor da convivência pacífica entre brancos e negros. Matérias sobre o Soweto: com lideranças comunitárias desse distrito negro; com líderes (brancos e negros) da luta contra o apartheid, ajudaram a salvar o jornalismo transmitido pela televisão durante a Copa. E foram feitas por jornalistas de profissão.

Aprovação bem-vinda
O saldo da cobertura revela que o jornalismo está enfermo. E a enfermidade parece estar agravada por uma profunda crise de identidade. Em determinados programas o doente satisfaz a máxima atribuída a César: "Ad populum panis et circensis." Em outros, transforma o "jornalista" em bufão do Império Bizantino, levando-o a usar máscaras, perucas e a imitar olimpianos. Esses "profissionais" não dominam a ética do carpinteiro a que se referiu Cláudio Abramo, portanto não sabem exatamente o papel que exercem. Por vezes parecem adotar a teoria do espelho atuando como um mediador desinteressado, mas jamais conseguirão entender a teoria do newsmaking porque não dominam a dimensão do fato jornalístico e se comportam como se fossem eles a própria notícia. A inconsistência do jornalismo praticado na cobertura da Copa pela maioria das emissoras não atendeu a qualquer dos pressupostos básicos que fundamentam a importância do jornalismo para a sociedade: o direito fundamental de ser (bem) informado e o interesse público.

Esse triste cenário indica que a aprovação, no dia 14 de julho, da exigência de diploma universitário específico para o exercício da profissão de jornalista, por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, é bem-vinda. Em contra-partida, as escolas precisam adequar os seus programas de ensino às verdadeiras funções do jornalismo na sociedade moderna, preparando-se para formar jornalistas, e não produtores de mídia para o mercado.

* O artigo foi publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br

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